Amanda Prado
Alagoas - NE
Amanda Prado nasceu em Maceió (1988), é doutora em Estudos Literários (UFAL, 2018). Em 2012, fundou a página Literatura & Tapioca. Publicou o livro infantojuvenil A ilha de Laura (2015). É membro-fundadora do coletivo Oficina de Experimentação Literária - Ofélia. Publicou os livros Pedra perdendo seiva (2018) e Verde vidro (2019). Integra o Conselho Municipal de Políticas Culturais de Maceió. Foi publicada por revistas como a Graciliano, a Lavoura e a Gueto. Participou da antologia Inferno tropical (Sirva-se edições), que reúne contos sobre Maceió.
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Poemas
da incerteza
mar é abismo
dúvida de água
sobre a água
sede
vento que trabalha
a calma das coisas
que não existem
o mar são dois olhos
tristes
que se encontram
no fim da tarde
e nunca encaram
o desenho dos barcos
mar é porto
onde aeronaves
dançam
suas luzes secretas
o silêncio das nuvens
um avião de papel
a chuva
o mar engole
tudo
areia árvore maçã
teu nome os barcos as fezes
abraços beijo colírio
o dia vento suco de laranja em pó
o mar dissolve
teu corpo o café um sorvete
o ruído das plantas o sol
a febre os olhos relógio
um pedaço de osso
o silêncio
as pedras
ainda o mar cospe
ausências lábios cacofonias vitrais
o mar imensidão ao contrário
que não sabe o ar
e não sabendo
mergulha em vazio apenas
ferrugem pré-fabricada
gergelim
como dentro da noite
e ainda verdes
enfileiradas formigas podres
correndo correndo
grão a grão
sangrando dentro das pedras
não há mais água
sequer há folhas
despertas da dança das árvores
as patinhas já são cinco
no dorso da primeira formiga
descansa
ainda selvagem
uma semente de gergelim
enquanto o dia
rebobina suas cores
na sua profunda escuridão de formiga
o céu acende
imenso
seus formigueiros de luz
máquinas noturnas
se eu escrevesse os barcos
sobrevoando a noite
ainda triste
e vazia de estrelas
se as minhas mãos
frias
tocassem o silêncio
oco de outras mãos
numa melodia azul
dueto de violinos
e orquestra
de pássaros
se a copa das árvores
desenhasse
na escuridão do céu
um mapa de estrelas
invisíveis
se eu fizesse
um barquinho de papel
e o pousasse
lento
nas mãos do mar
se eu descansasse
agora
uma pequena formiga
no seu ombro
se eu riscasse
na carne das palavras
a dor
da última dança
das ondas
e se eu simplesmente
não adivinhasse
o fim
dentro do instante
único
de um fósforo
escrevo
porque uma mosca
contra o vidro
presa e inútil
ensaia a sua dança
porque um vidro
depois do voo
guarda ainda uma gosma
de mosca
porque o silêncio
ruptura ausente
esconde sempre o ruído
das coisas
porque a mosca
nem existe
um poema
escrever como quem cultiva
uma árvore no vazio
:
as raízes no ar
[dança de garras invisíveis]
sugando das pedras
o seu veneno oculto
escrever como se tomasse do outro
de dentro do dentro
a palavra mais nossa
escrever quando
dentro do abismo
um buraco negro
e como a estagnação de um louco
diante da queda
um poema é
uma faca
que corta
a chuva
Ana Maria Vasconcelos
Alagoas - NE
Ana Maria Vasconcelos nasceu em Maceió (1988). Publicou Grão (2014) pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Escreve, pesquisa e ensina literatura.
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@longarina.s

Poemas
da clausura, onde as horas roem
as pegadas ainda nos sapatos
limpíssimos
não estou, e abafo
com as coxas teus ouvidos, a saber
desse ângulo
(nunca te disse) teu rosto parece
dois versos do Pasolini.
Écfrase
quando as minhas unhas riscaram pela primeira vez
em alto relevo
o corpo sob os teus desenhos
um deles me feriu de volta
aquele como um coração fora do peito
um brasão, uma insígnia, um emblema
pontiagudo
como o sexo revelado de uma vênus, ainda na inversão
de que falávamos, aos borbotões
(“que palavra engraçada”, você disse, “borbotão”,
e eu expliquei, muito professoral, que significava
jorro)
espedaçando, no ritmo de um abraço ao contrário, o signo
fálico
que carrego no meio das costas –
os papéis trocados
(é carnaval, destronados os reis)
num palco brevíssimo em que duas tatuagens.
Açoite
matinal, em gume, espicaça o farelo das horas rumos no cadarço da garganta, jorram, sem saída, os enleios, miragens brevíssimas
de um lar;
vãos o álcool e a membrana-para-paraísos, é único o pires secretado pelo cansaço; febril, sustento íngreme o sono sob o fantasma paralítico do teu peso – para estupros;
rói em escalpes a última palavra, cíclica, do que [foi] a nossa urgência sofregamente trançada – rebenta! –, sangra
insistente
o hálito definitivo:
“Adeus”
Ir
cravar os dentes no pescoço deste intervalo,
ser içada pela roldana do tempo e
desistir de segurar o mar entre as mãos –
Fátima Costa
Alagoas - NE
Fátima Costa nasceu em Maceió (AL). É mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Alagoas e professora da rede pública de ensino. É uma das fundadoras do coletivo Pernoite Literário, grupo de leitura e escrita. Tem poemas publicados no Jornal Rascunho e é autora do livro de poemas Valsa triste (2018).
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Poemas
entre a simbiose dos corpos
entre a simbiose dos corpos
e a sebe das farpas
a sarça
o amor de apolo
na dormência do colo
o oco das coxas
raízes rasgando os meus pés
transpassando o pó que o sol pisava
vi os ramos engolindo dedos
vi os braços eclodindo braças
e quase esqueci que o calor me perseguia
que eu fugia de um deus
apolo fez dos meus dedos sua coroa
enquanto a seiva escoava
no gozo de uma árvore
Circense
A Genty Pierrot
A caixinha de música
habita-o
o som ondula pelos olhos
todo despertar é baile
nuança o colorido do preto e branco
dança Pierrot
até esvair a vida das cordas
até perceber que valsa só
Retorno
casamento de Eurídice
dançar de ventres
quem convidou a serpente
ele dedilha o tártaro
ele toca a lira
quem ninou os cães
o sal agoniza
num pingo de ferro
quem assinou o contrato
chamam a esposa de Lot de Orfeu
mas não chamam Eurídice de Lot
o incêndio violou Sodoma
e deliu a mulher de
quem verá a luz do sol
Sujeito
puxem-me as rédeas
o cabresto rompeu
tufos de pelos
voaram entre os ermos
essência das crinas
a franja
trincou a vista
seca pela aquarela
do vale
o riso
pede sorte
conduzam outro ao matadouro
Natália Agra
Alagoas - NE
Natália Agra é poeta e editora. Nasceu em Maceió (AL) e vive em São Paulo. Publicou De repente a chuva (Corsário-Satã, 2017), fotogramas [o silêncio possível] (7Letras, 2019) e Noite de São João (Corsário-Satã, 2020), este último também editado em Portugal pela Douda Correria. Publicou o livro infantil Os balões de Nise (IOGRAM, 2019). Ao lado de Fabiano Calixto, Rodrigo Lobo Damasceno e Tiago Pinheiro, edita o zine de poesia Despacho. É uma das organizadoras da Desvairada - Feira de Poesia de São Paulo.
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@agraagraagra

Poemas
Quarto vazio
um quarto do quarto está vazio
nem lembrança, nem pavio
amadeirado mandarim insone
a cama, só um lençol branco muito envelhecido
já se passaram seis anos
num abraço dolorido contra o travesseiro
gavetas e armários abertos
passa um vento entre os cabides
a camisa de botão desabotoada
marca no peito o vazio
no vai e vem de um quarto ao outro
faço minha mudança
você não mais ali, meu amigo
releio os teus bilhetes datilografados
o teu poema em mim
ressoa o teu pigarro de cigarro e café
eu volto e balanço o lençol
deito e deixo as botas penduradas na cabeceira
ainda escuto tua respiração
ainda friso teu riso,
ainda me apavoro
Uma caneca de café num dia
para se guardar na memória
Para o Leo Marona
faltavam 15 minutos para o meio-dia
aprecio a cena
talvez um pai e seu filho no colo
o filho aponta para tudo que vê
o pai parece responder
continuam andando
uma folha despenca do 11° andar
um dia você vai cair e chorar
então vai entender tudo
todas as coisas
o pai continua descrevendo para o filho o que ele aponta
o filho enxerga árvores, o pai as sombras
um pouco à frente deles, num cortiço
uma mãe lava roupas no tanque
seus filhos tomam banho de mangueira
naquele instante de improviso
o caos relativo
congelado pelo sal do meio-dia
a chuva no arco-íris
a felicidade contemplada na crise
o pai senta e passa algo em sua cabeça
passa a mão na cabeça do filho
aprecio a cena
sei o que o pai vê:
o futuro de seu filho
uma folha caindo
no sol do meio-dia
Storytelling
Para o Fabiano
no retrato, um olhar
ainda âncora
abriria
em outra imagem
um sorriso?
(eu e você deveríamos mesmo nos encontrar)
estou a um passo do rio distante
o corpo pétala
sensível a agonia
no ópio íntimo
nasce uma pérola
(você e eu deveríamos mesmo nos encontrar)
como se o sol encurtasse
a distância entre dois ventos
você me leva a mão ao peito,
vivemos agora na mesma fotografia
Augúrios
Para W. B. Yeats
o mundo não está mais em bom estado
cada um enterra o que é seu
cada morte escolhida
oculta o restante
nem as prateadas maçãs da lua
ou as douradas maçãs do sol
sobrevivem ao mistério inquietante
o mistério no pouso do corvo
a floresta desesperada de sangue
a flauta, onde, na densa fumaça,
flutuam seus ossos
no acaso longo da vida
nada pode impedir
o perigo do agora
mesmo que tudo,
de algum modo,
tenha um espectro trágico
calo os tempos difíceis
com a mesma nuvem
que resiste à violência
Natasha Tinet
Alagoas - NE
Natasha Tinet é escritora e artista visual. Nasceu em Palmeira dos Índios (AL) e reside em Curitiba desde 2014. Integra a grupa Membrana literária e, junto com a poeta Julia Raiz, edita a Totem & Pagu - firrrma de poesia. Seu livro de estreia, Veludo violento, recebeu o segundo lugar no Prêmio Fundação Biblioteca Nacional 2019 na categoria poesia. Escreveu a plaquete Silêncio Bergman (Editora Primata), com lançamento previsto para abril de 2021, e o livro de poesia Uma alegria difícil, ainda sem editora.
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@natashatinet

Poemas
Oração à Nossa Senhora do foco
nossa senhora do foco
não dê minha alma como perdida
rogai por minha mente inquieta, dai-me sentido na vida.
mate meu talento, já não me importo, quero ser senso comum
ser indiferente a tudo que seja de caráter profundo
quero resolver angústias existenciais com meu cartão de crédito
assistir noticiários e achar tudo banal
nossa senhora do foco, fazei de mim um pires:
de porcelana barata, branco, raso e sem dor.
Midas
Para Philip Glass,
Glória Anzaldúa,
Scholastik Mukasonga
e Nick Cave
O som dos seus dedos cristalizam meus pensamentos
entorpecem as horas, as letras levitam sobre a pauta cinza
olhe pra mim agora, sou um monumento
tal qual Anzaldúa, profetisa que escreve com os ouvidos
na fronteira do sono, minhas mãos estão gravadas no interior
de uma caverna pré-histórica, meus pés enxergam no escuro
sem exorcismos, escrevo com a tinta dos meus fantasmas
olhe pra mim agora, o mal mora em mim também
essa loucura de criança que me acompanha, júbilo e destruição
uma melodia minimalista que me agiganta diante da tela branca
olhe pra mim agora, tão grandiosa que ninguém consegue me ver.
Persona
é quase dia e ainda chove
no horizonte um navio se desespera
porque ninguém o vê
como se pudesse o mar
guardá-lo entre os dedos
assim também me sou no silêncio
desordenando os metais ao redor
atraindo o caos, como é destrutivo
ser a mesma pessoa o tempo todo.
Há espuma nos meus sonhos
Marés baixas, pés gelados
rochas lunares ouriços ocultos
Meu travesseiro de placenta
bordado com fios de cabelo azul
é recheado de sangue e sargaço
nutrientes desperdiçados
dentro de mim não há espaço
sou passado dentes e bolhas
a única a última
perdida em um deserto úmido
mastigando conchas
respirando imensidões
transbordo.
A roupa íntima das laranjas
lavo minhas calcinhas no chuveiro
na minha família era assim
cada um cuidava de sua roupa íntima
era inconcebível outra pessoa lavar
mesmo que do mesmo núcleo familiar
essa era a preservação máxima da intimidade
que se revelava apenas no quintal
onde descansavam no varal
calcinhas e cuecas que mesmo lavadas
e esfregadas com convicção
ainda denunciavam a ação do tempo
e o calor do uso
fundos amarelados
pequenos furos,
elásticos esgarçados
e manchas acidentais de sangue
secando ao lado de outras mais novas
imagina, minha filha,
ser atropelada com calcinha degradada
a intimidade uma fratura exposta na avenida
assim pra quem quiser ver
tem coisas e pessoas que não podemos
conhecer assim tão intimamente
muito difícil atravessar o tecido da pele
mas sempre fui curiosa
facilmente atraída pelo mistério
por mãos habilidosas em criar beleza
apreciava minha mãe despindo laranjas
a roupa verde cedendo ao giro contínuo
a espiral perfeita estendida,
a faca deslizando como um carinho
deixando intacto o tecido alvo
ela reparte a laranja pela metade
e me entrega no prato
absorvo o sabor,
sinto a pelinha fina entre os dentes
e quando a fruta seca seu interior
não sei se também devo comer
a roupa íntima da laranja.
Sara Albuquerque
Alagoas - NE
Sara Albuquerque nasceu em Maceió, em 1990. Autora de sete centímetros de língua (Patuá, 2018) e giz morrendo (Iogram, 2018). Mestra em Escrita Criativa pela PUC-RS. Escreve e faz performances literárias no @leituraquesara, no Instagram.
latitude: -9,5106495 / longitude: -35,594037
@naosouaqui

Poemas
o plano das ruas
me acostumei a pular as janelas na casa-de-abóbora, o cinza manchado na parede denuncia a memória dos meus pés, ali estamos presas lealdade e leoa
as janelas de uma abóbora de dois andares são indefesas
um lance de escada para o sono ou o escárnio das horas
um pequeno lance de trinta degraus, o detalhe acutângulo do nariz que caminha como se
viver fosse um enxoval de copas, a Esther falou
sobre se sentir segura na sala de espera do psiquiatra, óbvio
que Esther percebeu que a sala do psiquiatra não tinha janelas, mas desde
quando se tornaram tão distantes do chão, o olhar nas alturas desponta ao alcance do inverso? talvez uma interrogação seja mero refinamento
do décimo andar, vejo escrito no asfalto imperativo
do meio-dia com tinta branca PARE, as letras enormes, se os faróis soubessem ler certamente se retesariam
no susto, mas quem recebe
a mensagem de cima, para quem curiosamente ela parece ter sido endereçada, do décimo
andar, quem olha
para baixo e lê PARE, ali, endurecido, mas esperançoso, PARE
no fim agradece ao tráfego a resistência
spoiler
poupemos a pauta
por favor, poupemos
sobre passeata de antas não se têm pistas
sobre passeata de antas em antro de sucuris, tampouco
— animais têm instinto de sobrevivência
na passeata de ontem, Bandeira,
o bicho asséptico cuja gravata você não viu
era um homem que engole antas com voracidade
casa de valores
na hora
a vizinha
goza
fora
e quem é que sabe pelo amor da deusa, quem?
a coreografia que meu corpo endossava
nos dias em que toda tartatuga é mar
que me alimentou o estrago mas
também a validade
que me comia
pelo nariz pelos pelos
a cor e a grafia dos meus dedos me foi sangue até ontem às quatro e cinquenta e sete quando reparei na estrela da manhã
e não concatenei
se vênus
se tentação
se a luz que eu via era eu mesma
em memória
lá longe me observando as sobras carbonizadas
se apenas sonho como elemento que estraga o realismo mágico da narrativa
bambolê
mãezinha do céu protege a mamãe o papai a cassandra e a tequila protege os primos e primas os tios e as tias os vovôs e as vovós e também a bisa Sueli protege os amiguinhos da escola os professores a diretora o porteiro os vizinhos o motorista do busão o povo do mercadinho protege todas as pessoas de todos os países do planeta e do universo
mesmo os alienígenas
em reza criança
toda gente cabe
— com a vastidão a idade adulta rasga o acórdão
à rainha na barriga somente importam
os umbigos-vassalos por isso
quando alguém se acidenta
na rua desconhecido
o fluxo os carros seguem seguindo
um corpo no asfalto só planta
ou curiosidade
às mentes vermelhas
ou fúria em demasia
se causar engarrafamento