Cristina Santos (Medusa)
Acre - N
Cristina dos Santos Nascimento, 17 anos, mais conhecida como Medusa. Acreana, nortista, estudante do Ensino Médio, poeta da cultura marginal, artista, mulher, preta, slammer. Ganhadora estadual e coordenadora do Slam das Minas do Acre.

Poemas
MUNDO
O mundo é um lugar preso
Onde os moradores carregam mo peso
Pessoas morrendo por um pedaço de pão
Pessoas matando, puro ódio
E na minha "quebra"?
É só o sangue jorrando no chão
Um mundo que já se foi com 80 tiros "por engano", a escravidão que não acabou,
O arrastão no busão, o jovem que por ser gay
Foi torturado, atiraram em seu coração
Crianças assassinadas por policiais,
Confudiram um guarda-chuva com fuzil,
Novo Hitler na presidência...
É a realidade do Brasil
É, tá tenso e o tempo tá escuro
Tempo esse que se fecha quando eu desço do busão a noite e a porta fecha
É sempre um medo no coração
São sempre mil e uma fitas que me deixam na contenção
Nem é o medo de roubarem meu celular.
É o medo de me roubarem aquilo que não me mantém no chão, o medo de roubarem minha alma, meus traços, minha poesia, medo de roubarem o que me resta, medo de roubarem minha sintonia...
É sempre esse tipo de coisa, sempre existe grandes casos
Casos esses que fui parar pra pensar e não tive descanso.
A mina foi morta pelo ex namorado enquanto voltava do trampo
Criança de 11 anos estuprada enquanto brincava no campo
Um jovem negro foi brutalmente agredido
Enquanto o outro desapareceu ao entrar no carro da polícia. Essas e muitas outras fitas que me deixam de cara
Sem falar do filho do presidente, envolvido com a milícia
Essas coisas não me deixam dormir
Medo de ser assaltada novamente, pedir ajuda pro PM e ser mais uma jovem negra estuprada ou que acabou de sumir
Eu tô sempre gritando pelos meus ideais pedindo forças para os meus ancestrais
É que eu só descanso quando o menor que segura um fuzil estiver segurando um diploma
É que enquanto tiver menor ao nosso redor
Com fome, andando descalço, a gente não descansa
Nosso corre é pelo gueto, é pela favela
Gritamos por paz pra calar as panelas
Não é os barulhos de tiro que tiram meu sono
É também o feminicídio e o genocídio da juventude negra que aumenta em todos os cantos. São essas e outras inúmeras coisas que me deixam em claro
Mas é claro que esse tipo de coisa não te preocupa, pra você não vem ao caso.
Em torno de 60 mil crianças são abusadas por ano no Brasil
O feminicídio bateu recorde em 2019 só em SP
Inúmeras famílias não tem o que comer em
casa e outras nem casa tem...
Essa é a realidade que ninguém explana
É essa a realidade de muitos, e na TV?
Só falavam do silicone da Primeira Dama
É... tá tenso
Precisamos falar sobre a realidade do mundo
Você precisa mostrar os teus versos e sair do teu "modo mudo"
Pega toda tua dor e transforma em poesia
Pega todo teu conhecimento e usa a tua maresia
Pega tua força, desvia das balas
Pega tua força e utiliza das armas mais usadas
Faz tipo a "Sétima Rua", junta as pedras no caminho e faz um castelo na quebrada
Busca força de dentro você, tu e a tua esperança
As desgraças do mundo não podem te abalar
É paz na favela e fé nas crianças
Francis Mary
Acre - N
Francis Mary Alves de Lima, poeta, a Bruxinha, nasceu em 1957, em Rio Branco (AC). Aos 17 anos, começou a falar seus poemas em bares, teatros e atos públicos em defesa da floresta e da democracia. Publicou Akiri, um grito no meio da mata (1982), com poemas inspirados na luta de Chico Mendes e dos povos da floresta, e Gota a gota (1982), ambos mimeografados. Atuou como repórter, atriz e ativista do movimento cultural acreano. Lançou ainda os livros A noite em que a lua caiu no açude (1998), Pré-Históricas e outros livros (2014) e Gogó de Sola/Flor do Astral (2016).
latitude: -9,9748773 / longitude: -67,8139841

Poemas
Muito
São sete capas de folhas
sobre meu peito de barro.
São sete cores de flores
me enfeitando de sol.
São miríades de estrelas
e milhões de girassóis.
São mil pulos de macacos
nos caminhos dos meus galhos.
São periquitos estrelas
nas manhãs que avoam o chão.
É um presente e uma peia
nas noites de miração.
São muitos rostos torcidos,
perdidos na escuridão.
São multidões de buracos
onde ecoam gritos surdos,
que invadem meus ouvidos
com lamentos e gemidos.
Mas, são milhões querendo
virar vento, amor e pão
e se alimentar do avesso
do sabor da piração!
Banho de igarapé
É um bálsamo preparado
com espíritos de passarinhos,
para lavar corpos cansados
de pensamentos mesquinhos.
A água bendita do igarapé
desliza, tranquila, na paz
que vai da ponta da alma
ao dedão do pé.
Forró
O folejo da sanfona
brota alegre do peito,
e no céu de paxiúba
a lua dança forró de seringal.
Dança a mata, dança os bichos
e as águas do igarapé,
dança o homem e sua criança,
dança também a mulher.
Dança o sol dourando a vida
De quem quer fazer o bem.
Dança o amor no coração
dança esperança que vem
e o forró varando a noite
Vara a vida também.
Árvores
árvores abraçam
árvores firmam
árvores enraízam
árvores sombreiam
árvores esverdeiam
árvores sentem
árvores veem
árvores frutificam
árvores doam
árvores chovem
árvores guardam
árvores recebem
árvores estão
árvores pedem
árvores são.
Maya Dourado
Acre - N
Maya Dourado é uma artista emergente na cena musical rio-branquense, com 3 anos de atividades intensas e ininterruptas como cantora, compositora, poeta e slammer. Artista da rua que ganhou projeção compondo e cantando vivências de mulher amazônica negra (não binarie), periférica, bissexual. Co-fundadora e vocalista da Banda Zingari e do projeto coletivo Piracema. Seu trabalho trilha uma linha de integração com outras artes, especialmente o teatro, performance em vídeo e o cinema.
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Poemas
Eu mulher pra caralho
E faço o que eu quero
Eu sou
Preta no branco, no preto
Tô solta vivida
Cansei de ficar escondida no beco
Sou hoje liberta pra minha alegria
Eu sigo rimando, soltando meu flow
Me chamam de negra, e eu já sei quem sou
Sou preta bonita,
Você me deixou sem ar
E nada que eu falar
Será entre aspas
MEU corpo será meu grito
Mesmo silenciada
Pois sinto o que se passa
Se eu me deparar com a noite escura
E apenas a luz do 5 poste
e o que que me deixará segura
Incerto mas provável
Que no terceiro dia um corpo
Despido, e marcado será achado
Cujo o rosto nunca vimos e, de certo, amamos
Mais um mulher levada pela sede cruel de um homem
O mesmo com as mãos em cima da mesa: mãos brancas, mãos limpas
Mãos que dirigem
Mãos que cuidam
Mãos que protegem
Mãos que não são suspeitas
Mãos sujas de sangue
Mas se bem lavadas são mãos de um cidadão sem manchas
Mãos que matam nossos sonhos
Mas que não nos tira a coragem
Lutar
Hoje faço poesia capaz de coragem
Pois o inimigo é forte
sejamos capazes de resistir
Pq nessa sociedade muitas coisas irão nos rasgar ao meio, mas nem o fim será capaz de matar o nosso florescer
Queimada
a terra que forra os meus pés
alimenta a minha alma
nutre o meu ser
força que me leva
me leva a mais uma vez
depois do café
olhar pra minha terra e ter esperança de viver.
nascido na terra
como um bom filho cuidado
da mãe
ela que
em todas as estações
me presenteava com as mais lindas plantações
eterna mãe
foi machucada tão rápido
que não pudemos nem te dar a mão
o fogo destruiu tão rápido que não pude nem salva a minha marupá
deixando assim mais uma família sem lar
ele queimou tão rápido
que me fez perder aquele esperança
que tinha depois ouvir o galo
cantar
e como doeu ver o que é meu
ser lavado pela atitude um humano
que nem queria plantar
meu caos,
queimou meu berimbau
a pupunha virou mingau
e nem tenho como me acalmar
foi-se também o maracujá
tudo jogado em uma fornalha
eu conheci o inferno
o vi destruindo
todo o meu trabalho
o que fazer?
se tudo o que fazia foi engolido
pela ambição de uma fazendeiro bandido
eu vi o fim
tudo em cinzas
a mãe
enfraquecida
e nem o amendoim forrageiro
salvava
o fogo queimou
ardeu em minh'alma
e nem o gergelim conseguiu afastar essa praga
Rayssa Castelo Branco
Acre - N
Rayssa Castelo Branco é natural de Rio Branco. Aos 15 anos, publicou seu livro de estreia, Primeiros Poemas (2015). Em 2018 publicou Versos ao Acaso, além de contos e poemas em mais de dez antologias. É vice-presidente da Academia Juvenil Acreana de Letras (AJAL). Cursa Direito da Universidade Federal do Acre (UFAC).

Poemas
Era
Ao entardecer, surgiram sinais de brava tempestade
Eram as antigas lamúrias voltando de braços dados
De um lado, não aceitava me curvar à sua majestade
Do outro, não queria suportar de novo os meus fardos.
Os golpes desferidos no âmago já nem causavam dor
Diante das memórias apagadas, dos tempos da bonança
E os atropelos, erros e receios, presos em um só clamor:
A volta aos póstumos anseios, amaldiçoados de esperança.
Somente permanece o vazio frígido da noite enevoada
E o ardor de um fino corte onde, inteira, me despedaço
Buscando no cerne a razão, outrora negligenciada.
E a corrosão inebriante nós pensamentos e no espaço
Exaspera-me, rompe-me, num último golpe, exagerada Desfaleço azul, na noite, esperando o derradeiro abraço.
Golpista
Mente para si mesma
Sonhar estar fora de si
"O espelho não te deseja"
Lá dentro, desaba o mundo
A torre cai, fecham-se as portas
Ingrata
Egoísta
Esmorece, calada
Com o choro entalado
Rasgando a espinha numa agulha
Afiada, fina, sem fim.
Reconectar
As janelas abertas
Esperam dos céus um sinal
A luz mais poderosa que a lua
Que nasce em meu ventre a cada ciclo
Se é chegado o fim do caminho
É também a imensidão que me debruço
Onde morrem as estrelas
E renasce a luz.
Tão infinitos são os recomeços
Que hora ou outra parecem déjà vú
Mas que nos sonhos
Replicam os desejos
E almejam respostas.
O relâmpago soa como um estalo
De quem acorda do sono profundo
De um vampiro que desperta do caixão
Do sono velado, da sombra
Da assombração
Mentiras sinceras, não é esse o fim
É a hora de uma estrela que aspira
Buscar o novo
Arder em vida.